De regresso à velha infância, descubro a Primavera de outros tempos mesmo que percorrida pelos sonhos no meu baú de recordações e como em todas as histórias…
Era uma vez, há muitos anos trás, uma menina traquina que aguardava ansiosamente pelo despertar dos pássaros, flores, frutos e sobretudo da chegada do calor. Em cima da sua escrivaninha o calendário muda e avisa: 20 de Março. Repentinamente, ela acorda e tal como se acontecesse neste instante, vivo a lembrança.
“Afasto apressadamente os lençóis e sentada na cama paro o coração. Em total silêncio escuto… Sim, è verdade!
- Mãe, pai chegou!! Grito ofegante.
Atrapalhadamente, calço uma pantufa e não encontrando a outra, desço as escadas pelo corrimão e embalada abro a porta e sinto… hum, que delicioso o aroma da terra molhada pela última chuva do Inverno que finalmente se despede.
Corro para o jardim e as primeiras rosas cumprimentam-me, sinto no pé descalço, as cócegas da relva que começa a crescer e deito-me, rebolo para cima e para baixo, para a direita e esquerda.
Não ouço os cuidados da mãe e espreguiço todo o corpo aos tímidos raios de sol que me aquecem e reconfortam. Olho para o céu e reparo nos pássaros bebés que brincam e exploram as pegadas de nuvens e confirmam a chegada da Primavera.
- Marisa, o pequeno-almoço está à tua espera… vá anda, não podes chegar atrasada à escola!
A escola…a escola! Acordo pela segunda vez e num ápice entro na cozinha, faço desaparecer os cereais e regressando ao quarto, visto a roupa nova… mais leve e colorida. Mochila às costas e beijinhos de despedida, caminho pela apertada rua agora repleta de cores e cheiros. A escola torna-se cada vez mais perceptível e os risos das amigas aceleram os meus passos.
A alegria invadiu a escola e a nossa professora, com nome de flor, recebe-nos com mais simpatia e carinho. Comunica que será uma aula diferente pois faremos um elogio à Primavera.
Nas salas deixamos os livros e lápis, e na imensidão do nosso pátio de terra, reunimo-nos perto de uma majestosa árvore cuja sombra protegia caixas de madeira.
- Ahhhh! – ouvia-se de todos ao vermos delgados e frágeis rebentos.
- Para comemorar a chegada da Primavera – diz a professora - cada um de nós vai plantar uma pequena árvore e ao longo do ano irá cuidar dela.
Entusiasmados, arregaçamos mangas, fizemos buracos, plantamos o nosso pequeno rebento, regamo-lo e enlameamos os nossos sapatos, as mãos e a cara. Seriamos mães e pais, irmãos desta estação. Em roda e de mãos dadas, aprendíamos novas letras de canções até ser hora de voltar à sala de aula.
Sentia-me diferente: a luz, a terra, os animais, as festas. O Verão, minha estação predilecta, aproximava-se e a doce Páscoa estava mesmo a chegar juntamente com a anual expedição, pela escola, em busca dos ovos de chocolate escondidos.
Os recreios eram mais compridos e prazerosos, as corridas, o saltar-à-corda, as caçadinhas, e os olhares intrigantes entre os mesmos amigos, ruborizavam as faces.”
Não importa onde ou quem nos rodeia, a mudança sentia-se e sente-se. Indiferente a resistências, a Primavera semeia sorrisos, exultações, paciência e sentimentos que se fortalecerão com o calor e paixão do Verão.